Cansaço constante: por que tantas mulheres se sentem exaustas mesmo sem “fazer nada”?
- Leticia Benigno
- 20 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 26 de jun.

Você já se pegou pensando: “não fiz quase nada hoje, mas estou exausta”. Essa sensação de cansaço constante, que aparenta não corresponder à quantidade visível de tarefas realizadas, é uma experiência mais comum (e mais significativa) do que pode parecer.
Este tipo de cansaço, que vai além da fadiga física e vai se infiltrando na mente, no corpo e até na forma de estar no mundo, precisa ser olhado com mais cuidado. Ele é legítimo, tem história, tem contexto, e acima de tudo, não é sobre falta de força ou competência da mulher que o sente.
O cansaço invisível e suas raízes
O que chamo aqui de cansaço constante tem sido reconhecido em diferentes espaços, desde grupos de mães em redes sociais até nas escutas clínicas. É um tipo de esgotamento que não vai embora com uma boa noite de sono ou com um final de semana de descanso. Porque ele nasce, muitas vezes, de fatores mais profundos que não se limitam ao acúmulo físico de tarefas.
Alguns exemplos são comuns, como a mulher que, entre reuniões de trabalho e mensagens no celular, está o tempo todo lembrando dos aniversários da família, da roupa que precisa ser lavada, da conversa difícil que vem adiando. Ou como a que também é mãe, e mesmo em casa com os filhos, se sente sobrecarregada sem ter “feito muita coisa”.
Esse tipo de exaustão pode estar associado àquilo que se chama de carga mental (o esforço invisível de planejar, organizar e manter tudo funcionando). É estar em constante estado de atenção e vigilância. E isso consome energia, mesmo quando ninguém está vendo.
O cuidado como parte da identidade feminina

Desde pequenas, as mulheres vão aprendendo (muitas vezes sem perceber) qual é o seu "lugar" no mundo. Esse aprendizado não acontece só por meio de palavras diretas, mas também pelas relações que vivemos e pelo modo como vemos outras mulheres sendo tratadas.
As brincadeiras às quais meninas são direcionadas, os elogios que recebem quando ajudam, os olhares de reprovação quando expressam cansaço ou dizem "não": tudo isso vai formando uma base. E essa base pode construir identidades profundamente ligadas ao cuidado.
Para muitas mulheres, cuidar não é apenas uma tarefa: é algo que foi colado à sua identidade desde cedo. É como se, para ser uma "boa mulher", fosse preciso estar sempre disponível: para a família, para a relação amorosa, para os pais, para o trabalho. E isso não se restringe à maternidade. Mesmo quem não é mãe, muitas vezes se vê responsável pelo bem-estar dos outros, administrando a casa, cuidando de familiares doentes ou garantindo o bom funcionamento das relações.
Esse cuidado não se limita à ação direta. Há todo um esforço silencioso e constante envolvido no planejamento, na organização e no gerenciamento da vida doméstica e emocional. É o que chamamos de carga mental: pensar no jantar enquanto termina uma reunião de trabalho, lembrar do aniversário do sogro, saber onde está a roupa limpa de cada pessoa da casa. Tudo isso cansa, mesmo que ninguém veja.
Com o tempo, esses papéis (filha, profissional, parceira, irmã, cuidadora) vão se sobrepondo. E as cobranças, ainda que silenciosas, se acumulam. A mulher sente que precisa dar conta de tudo. Afinal, foi isso que aprendeu: que cuidar é sua responsabilidade, que pensar em si pode parecer egoísmo, que dizer “não” é falta de amor.
O resultado? Um cansaço profundo, que não se resolve com um descanso pontual. Um esgotamento que vai se tornando parte do cotidiano. Uma vida vivida para o outro, que muitas vezes deixa de lado os próprios desejos, projetos e necessidades. E quando a exaustão bate, o sentimento de culpa ainda insiste em aparecer: "mas por que estou tão cansada se não fiz nada?"
Outras possibilidades de cuidado

O problema não está no cuidado em si. Afinal, o cuidar é importante nas relações humanas. O problema está na intensidade, na centralidade e na adesão forçada que esse papel tem no processo de desenvolvimento das mulheres. O cuidado se transforma em um peso, em vez de ser um vínculo partilhado.
Quando o cuidado é atribuído quase exclusivamente às mulheres, cria-se uma desigualdade que não se limita ao campo privado. Ela tem consequências concretas na saúde mental, no tempo livre, na realização pessoal e na qualidade de vida.
É por isso que precisamos olhar com mais atenção para o modo como o cuidado tem sido naturalizado como parte "do ser mulher". Esse trabalho precisa ser visibilizado, valorizado e, principalmente, dividido.
Porque cuidar não pode ser destino. Tem que ser escolha. E uma escolha possível para todos.
Seu cansaço tem história (e merece escuta)
Muitas mulheres ao aprenderam, desde cedo, a colocar as necessidades dos outros em primeiro lugar podem ter a sensação de que falar do próprio sofrimento pode parecer egoísmo. Reconhecer a exaustão pode ser interpretado como fraqueza. Assim, o cansaço vai sendo silenciado… Até que o corpo ou a mente começam a gritar.
E é nesse silêncio que o cansaço se cristaliza. Em alguns momentos, ele pode passar a ser uma forma de validação: “se eu estou tão cansada, é porque pelo menos estou fazendo alguma coisa”. Há, em certos grupos, até um pertencimento construído em torno da ideia da “mulher cansada”. Mas é importante lembrar: não é preciso viver exausta para ser uma boa mulher, uma boa profissional ou uma boa mãe.
Se você tem se sentido exausta, mesmo sem entender bem o motivo, talvez seu corpo e sua mente estejam tentando contar algo. O cansaço que tantas mulheres vivem não nasce do nada: ele carrega uma história, marcada por exigências, silêncios e sobrecargas que se repetem ao longo da vida. Na psicoterapia, é possível criar um espaço seguro para olhar com mais cuidado para tudo isso e nomear o que pesa, reconhecer os limites, entender as raízes desse esgotamento.
A partir da psicologia histórico-cultural, compreendemos que esse cansaço não é apenas individual, mas também expressão de condições sociais e afetivas que atravessam a experiência de ser mulher. Quando essa escuta acontece com respeito e sem julgamentos, novas possibilidades se abrem: construir pausas reais, resgatar desejos deixados de lado, reencontrar-se consigo mesma.
Se sentir que é o momento de iniciar esse cuidado, estou aqui para tirar dúvidas e, se quiser, agendarmos um primeiro encontro. Seu cansaço merece ser ouvido.