“E se algo ruim acontecer?” - Ansiedade, vigilância e controle
- Leticia Benigno
- 3 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: 26 de jun.

Você já sentiu como se algo ruim estivesse prestes a acontecer, mesmo sem saber exatamente o quê? Ou teve a sensação de que, se deixasse suas emoções fluírem, poderia “perder o controle” e não conseguir lidar com o que viesse depois? Se sim, saiba que não está sozinha.
Esse tipo de sensação: o medo de que algo ruim aconteça ou de não dar conta de determinadas situações, é mais comum do que parece. Muitas mulheres vivem seus dias tentando parecer no controle de tudo, enquanto, por dentro, enfrentam uma tempestade de pensamentos ansiosos, tensões no corpo e uma constante vigilância sobre si mesmas.
Quando o medo vira um alarme que nunca desliga
A ansiedade, em geral, é uma resposta natural do corpo a situações de incerteza ou ameaça. Mas, em muitos casos, esse estado se prolonga, ganha força e se torna um companheiro constante. O medo de perder o controle ou de que algo ruim vá acontecer se transforma numa lente através da qual se enxerga o mundo.

Pode ser a mulher que evita sair sozinha porque teme “passar mal” na rua. Ou aquela que adia decisões importantes, como mudar de emprego ou terminar um relacionamento, porque teme se arrepender e não saber lidar com as consequências. Ou, ainda, aquela que revisa mil vezes o que vai dizer numa mensagem por medo de ser mal interpretada.
Em todas essas situações, o sofrimento é silencioso (e muitas vezes invisível). Por fora, tudo parece “em ordem”. Por dentro, há um corpo em alerta, pensamentos acelerados e a sensação constante de que algo vai dar errado.
Por que esse medo aparece?
A Psicologia Histórico-Cultural nos ajuda a compreender que sentimentos como esse não surgem “do nada”. Eles têm uma história, e essa história tem a ver com a sua vida, suas relações, suas experiências.
Por exemplo, mulheres que cresceram em ambientes muito controladores ou protetores podem ter aprendido, ainda na infância, que é perigoso explorar o mundo ou confiar nas próprias decisões. O oposto também pode acontecer: vivências de desamparo, negligência em necessidades básicas e instabilidade podem levar a aprendizados compensatórios de hipervigilância como forma de autoproteção. Não podendo contar com um ambiente estável, aparece a necessidade de controle para que não se repitam situações que não puderam ser evitadas pelos responsáveis. Em outros casos, especialmente mulheres que fazem parte de grupos historicamente marginalizados (como mulheres negras, gordas, LGBTQIAPN+) podem ter vivido situações de rejeição, silenciamento ou violência simbólica que as colocaram em estado de alerta constante.
Nesses contextos, o medo de que “algo ruim aconteça” deixa de ser uma fantasia e passa a ser uma resposta legítima a experiências reais. No entanto, o que tem como objetivo a própria proteção pode se transformar, com o tempo, em uma prisão interna.
O medo de falhar, de ser julgada, de se desorganizar
O medo de “perder o controle” não é algo que aparece de repente, ele se constrói aos poucos, geralmente sem que se perceba até que ele cresça. Não é o medo de uma crise, mas da ideia, muitas vezes internalizada desde cedo, de que é preciso dar conta. De tudo. De todos. O tempo todo.
Com o passar dos anos, isso vai se transformando em uma exigência silenciosa: a de não deixar que as emoções “escapem”, a de não decepcionar quem espera algo de você. Aos poucos, mostrar dúvida ou fragilidade passa a ser sentido como sinal de fraqueza. Assim, o medo de falhar deixa de ser só medo e vira um modo de funcionamento. Uma forma de se posicionar no mundo, com constantes tentativas de antecipar, conter, ajustar.
Essa lógica é sustentada também por discursos sociais que valorizam o desempenho, a estabilidade emocional, o autocontrole. E gradualmente, sem nos darmos conta, esses discursos deixam de parecer externos e passam a operar de dentro. Não como imposição direta, mas como sensação constante de inadequação, como a ideia de que há sempre algo em você que precisa ser corrigido, melhorado, regulado.
Essa tentativa de controle constante cobra seu preço. Cansa. Tensiona. E aí vem o paradoxo: quanto mais tentamos controlar o que sentimos, mais o corpo e a mente reagem com ansiedade. Porque, no fundo, sabemos que não podemos controlar tudo, e pode ser assustador. E isso, ao invés de ser acolhido, é tratado como ameaça. O medo de se desorganizar, na verdade, carrega a fantasia de que deveríamos estar sempre organizadas.
A armadilha da evitação e do controle

Quando sentimos que não vamos aguentar determinada situação, é natural que tentemos evitá-la. Isso traz alívio imediato: e é exatamente por isso que a evitação se torna um hábito difícil de romper. Porém, evitar o que nos causa medo também nos impede de aprender, na prática, que podemos suportar aquele desconforto e que, muitas vezes, o pior que imaginamos... simplesmente não acontece.
Do mesmo modo, tentar controlar todas as reações, emoções e pensamentos pode gerar uma sensação de sufocamento, além de aumentar a tensão interna. É como se, ao tentar evitar o descontrole, a gente se desconectasse de si mesma — e dos outros.
E esse afastamento cobra um preço: relações que se tornam mais frágeis, cansaço constante, dificuldade para tomar decisões, irritabilidade, e um sentimento de frustração por estar sempre “quase” conseguindo dar conta.
Quando o medo distancia, a escuta pode aproximar
Se você se reconheceu em alguma dessas palavras, talvez esse seja o momento de olhar com mais cuidado para o que você tem sentido. O medo de que algo ruim aconteça pode ter ganhado espaço demais na sua vida, mas ele não precisa ocupar tudo.
A psicoterapia pode ser um caminho para trabalharmos juntas para compreender as raízes desses medos, reconhecer as estratégias que você tem usado para lidar com eles, e, pouco a pouco, criar novos sentidos para sua experiência. Não se trata de "eliminar" a ansiedade, mas de encontrar maneiras de se relacionar com ela sem que ela seja a diretora da sua vida.
Se este texto falou com algo que você sente, e considera que a psicoterapia pode ajudar nesse caminho de reconexão com você mesma, entre em contato. Estou aqui para te acompanhar com escuta, cuidado e respeito à sua história.